A Paróquia de São João Batista em Almeirim.
No tempo da sua edificação.
Na história da cidade e do concelho, esta é uma questão que tem sido adulterada, tendo-se produzido afirmações que não correspondem à verdade histórica. Estas referências colam-se ao tempo da edificação da Igreja de S. João Batista, ereta em sede da Paróquia. No entanto não se refere – nas publicações que existem – a Paróquia em si. Há ainda que se acrescentar a afirmação de que a mesma teria sido mandada construir pelo físico da Infante D. Isabel, filha de D. Manuel I, o Mestre Henrique, indicando-se a data de 1500. Estas afirmações e escritos sempre me causaram perplexidade. Se não vejamos: todo o termo da então vila de Almeirim, bem como a área de coutada, era pertença exclusiva da Coroa do Reino. Sendo assim como se poderia explicar que um físico, ou médico, pudesse mandar erigir uma igreja neste território?
Quem observe a estrutura arquitetónica do edifício e percebendo alguma coisa de estilos arquitetónicos praticados no século XV/XVI, com referência especial ao período de governação do referido Rei D. Manuel I, poderá constatar que esta estrutura não corresponde aos modelos praticados. Acrescentemos a informação que nos é dada pelo censo de 1527 (para Almeirim é efetuado em 1532 (Archivo Histórico Português, Vol. IV, pg-351.) e o de 1537 (contagem dos moradores privilegiados das Comarcas de Leiria e Santarém) nos quais se verifica que em Almeirim apenas havia um clérigo.
Sabemos que o Rei D. João I, o fundador de Almeirim com a construção do Paço Real, solicitou ao Papa que os dízimos cobrados nas propriedades de Almeirim fossem para a Capela de Santa Maria, sendo destinados à manutenção de um Clérigo com o seu ordenado e despesas inerentes ao culto e conservação do espaço: azeite, vinho, paramentos e conservação do espaço e ainda para o Capelão - Mor.
Em todo o percurso temporal, do século XV a meados do século XVI, o espaço religioso em Almeirim é representado pela Capela do Paço Real. Há que se considerar que D. Manuel I, em cumprimento do testamento de D. João II, mandou construir uma ermida/igreja junto à Serra de Almeirim, na encosta onde houvesse água. Este desejo do rei referia-se à necessidade de agasalhar os peregrinos que iam à Senhora da Serra. A vontade de D. João II foi cumprida e no ano de 1501 D. Manuel faz a doação da dita ermida aos dominicanos de Santarém, com a condição de haver missa e frades.
O caminho percorrido, em investigação e pesquisas, foi longo e demorado. A questão principal ligava-se à explicação da existência da Igreja de São João Batista de Almeirim. Quando se procedera a sua construção, quem foi a entidade responsável pela sua edificação, como surgiu a Paróquia? A localização temporais da referida Igreja, bem como a referência a quem a edificara, não podia ser aceite, atendendo ao enquadramento dos poderes da época.
A apreciação do numeramento do Reino, mandado efetuar aos Corregedores das Comarcas por D. João III no ano de 1527, permitiu um primeiro esclarecimento. Este numeramento para Almeirim, foi realizado no ano de 1532, uma vez que a vila e Coutada estavam integradas nas propriedades reais e localizada na região de Entre Tejo e Odiana. Neste censo só se indica a existência de um clérigo. Ora, se houvesse um outro espaço religioso, para além da Capela Real, certamente que teríamos mais clérigos ou sacerdotes. O mesmo acontece na contagem seguinte de 1537. Neste ano, o mesmo monarca manda fazer a contagem dos moradores privilegiados nas Comarcas de Leiria e Santarém. Aí se verifica que, cinco anos depois, continua a haver um clérigo na vila de Almeirim.
Não sei, ou pelo menos não consigo perceber, qual a razão que levou alguns estudiosos de Almeirim a inverterem estas datas acima referidas. É que inverteram as datas, colocando os resultados da contagem de 1537 como se houvessem sido feitas no ano de 1527. Um erro muito enganador.
No estudo dos aforamentos das casas, chãos e courelas de vinha, olival e terras de pão, realizados ao longo dos séculos XV e XVI, foi possível começar a levantar o véu da verdade histórica a propósito da Igreja de S. João Batista de Almeirim.
Os moradores Jorge Jácome e sua mulher Isabel Mateus, aforaram à Coroa do Reino um chão para casas, na rua que ia do Espírito Santo à Igreja Nova (hoje rua João César Henriques, sendo antes a rua da Igreja) isto no
ano de 1549. Posteriormente vão fazer a sua venda ao Bispo de Miranda, que era o Capelão – Mor, a 20 de setembro de 1552. As casas construídas serão posteriormente vendidas pelo Bispo à Rainha D.ª Catarina. Verificamos mais outros aforamentos na área, como é o caso de Pedro Dias de Faria que afora umas casas ao pé da Igreja Nova. Estes aforamentos, que se sucedem no tempo e após a dotação de um novo Regimento sobre as casas de Almeirim, determinado pelo Rei D. João III, permitem considerar uma expansão da vila para norte.
Registamos ainda a carta do Núncio Apostólico em Lisboa, na qual concede a uma dama da Corte, D.ª Catarina de Sousa, a graça do milénio,
sendo que, para a obter, devia visitar os três altares da Igreja Nova de S. João de Almeirim, por três dias, rezando cinco Padre Nossos e cinco Ave - Marias, pela intenção de Sua Santidade.
Estas referências históricas, sendo específicas de um local e com referências diretas à Igreja Nova, permitiam situar a sua construção num período posterior a 1537.
Em continuação do trabalho de pesquisa sobre este tema foi possível identificar o processo relativo à Capelania Real de Almeirim, que é contemplada nas Bulas papais, onde se descreve toda a situação relativa à
Igreja de São João Batista de Almeirim e à sua instituição em Igreja Paroquial.
O documento em causa é uma “carta apostólica” do Metropolitano Arcebispo de Lisboa, Dom Miguel de Castro6. Nela refere que lhe fora entregue, por mandado Real, uma Bula Apostólica “Rationi Congruit”, e que a mesma resultara da interferência do Rei Henrique (1578-1580), em Roma junto do Papa Gregório XIII. Este monarca solicitou ao referido Papa Gregório XIII (1572-1585), que separasse perpetuamente os frutos e dízimos que estavam aplicados à Capela dos Paços de Almeirim e ao Capelão – Mor, que se destinavam ao sustento dos clérigos dela. Estes clérigos da Capela Real eram obrigados a celebrar missas e ofícios divinos. O Papa vai determinar que fiquem os dois clérigos na Capela do Paço, instituída em Capelania Real, não sendo Curado – não era subordinada à autoridade de uma paróquia – sendo o Capelão perpétuo e com residência permanente na vila, ficando ainda com a obrigação de varrer a dita Capela e de a ter sempre limpa, mesmo que os Reis não estivessem na vila.
No mesmo documento erigiu e instituiu em Igreja Paroquial da vila de Almeirim e seu termo e aos seus moradores, a Igreja Nova que mandou fazer o Rei D. João III, o qual quis que fosse da invocação de S. João Batista. A sua transformação em Igreja Paroquial implicava a existência de uma Pia de Batizar, e as mais insígnias paroquiais. A igreja seria administrada por um Presbítero secular, que seria o seu Reitor ou Vigário. As suas responsabilidades seriam as de curar as almas dos seus fregueses, ministrar os sacramentos e celebrar missas e ofícios divinos. Para acompanhar o Vigário foram criados dois lugares “perpétuos símplices servitorios benefícios”, que teriam residência obrigatória na vila.
Os mesmos ajudariam na cura das almas dos fregueses e na administração dos sacramentos e celebração dos ofícios divinos, e todos os que fossem ordenados pelo Rei D. Henrique. Havendo bens móveis e imóveis a considerar nesta Paróquia, o Papa acrescenta a Tesouraria da Igreja, com um tesoureiro, que fosse um ofício “simplices” para um clérigo ou sacerdote, o qual teria a seu cargo os paramentos e ornamentos eclesiásticos e tudo o mais que fosse necessário para o serviço religioso.
Este tipo de Regimento da Paróquia, a que se acrescentava a Capelania, estava dependente dos rendimentos que suportariam a fábrica da Igreja. Gregório XIII determina então que os rendimentos dos frutos e dízimos de Almeirim seriam separados perpetuamente, havendo uma “porção” para a Paróquia e outra para a Capela Real do Paço, isto de acordo com a fixação dos salários dos sacerdotes, funcionamento e manutenção dos espaços.
O que sobrasse dos rendimentos, depois das despesas indicadas, seria para a “reparação e construção” da Fábrica da Igreja. Nestes rendimentos entravam ainda as doações e ofertas dos Reis e dos cristãos. A Bula igualmente indica os limites da Paróquia: toda a vila de Almeirim, os fregueses e moradores, tanto homens como mulheres. É concedido ao rei D. Henrique e a seus sucessores o direito de Padroado da Igreja Paroquial e da Capela do Paço, bem como a nomeação dos sacerdotes, e o direito de “apresentar” as pessoas idóneas para as funções indicadas. Refere-se mais que o direito do Padroado e de nomeação fosse de leigos e do Rei, sendo concedido pela sua primeira constituição, instituição e fundação da dita Capelania, Igreja Paroquial, Benefício e Tesoureiro.
Esta Bula de Gregório XIII, que responde ao solicitado pelo Rei D. Henrique, foi apresentada em Lisboa ao Patriarca D. Jorge de Almeida, que deu início à sua aplicação. No entanto, devido à morte do Rei Henrique e aos acontecimentos relativos à sucessão, houve demoras, sendo a dita Bula apresentada posteriormente a Filipe I. Este vai solicitar ao Papa que altere as disposições indicadas uma vez que eram muito pesadas no que se relacionava com os pagamentos.
Temos então uma nova Bula, que vem alterar a anterior. Atendendo à reclamação real o papa determina a “Ante Aplica” que somente queria
que houvesse as “porções” taxadas nesta segunda Bula, perpetuamente, enumerando o Reitor/Vigário, Tesoureiro e Beneficiado. Ao Capelão da Capela dos Paços d’Almeirim, suprimindo um dos “Benefícios Simplices Servitoris”, aplicando-se para a fábrica da Igreja o dinheiro necessário, e que tudo o mais remanescente fosse para distribuição na Capela Real, em Lisboa.
Mediante esta segunda determinação, o Arcebispo Miguel de Castro, procedeu à devida repartição, aplicando à Paroquial Igreja de S. João Batista d’Almeirim, do Arcebispado de Lisboa, para sustento do Reitor/Vigário a importância de 50 cruzados em dinheiro de contado, dois moios de trigo e dois de cevada, seis cântaros de azeite, em cada ano, acrescentando duas partes das oblações (ofertas), pé de altar e ofertas feitas pelos fiéis cristãos. Ao Beneficiado (coadjutor) com a obrigação de ajudar o Reitor na cura das almas, administração dos sacramentos e celebração das missas e ofícios divinos – o Papa apenas quer um Beneficiado. A este Coadjutor é atribuído o salário de trinta cruzados, em dinheiro de contado, dois moios de trigo e um de cevada, e uma parte das quatro das ditas oblações e ofertas, em cada ano, que exceder anualmente o valor de sessenta ducados d’ ouro. Ao Tesoureiro é atribuída a importância, também anual, de trinta cruzados em dinheiro de contado, um moio de trigo e a outra parte que sobra das oblações, que será um quarto, que excedam anualmente o valor de cinquenta ducados.
Para a Fábrica da Igreja, paramentos e mais cousas necessárias “ao serviço do culto divino” são atribuídos trinta cruzados. Ao Capelão da Capelania da Capela dos Paços, que tem a obrigação de celebrar missa diária, com folga de um dia na semana, são atribuídos cinquenta cruzados, em dinheiro de contado, dois moios de trigo, anualmente, tudo no valor de sessenta ducados. O Capelão fica sujeito à visitação e correição do Capelão – Mor.
O que sobrar dos dízimos e ofertas, contando os pagamentos referidos, é para se gastar mensalmente nas distribuições diárias da Capela Real, instituída em Lisboa, para os Clérigos de missa e ordens menores. Esta distribuição resultou da ordem do Rei (será Filipe I), que considerou desejar que estas sobras fossem para a sua Capela.
É assim extinto o segundo sacerdote na Igreja de S. João Batista, de acordo com a segunda Bula de Gregório XIII.
Os limites da Paróquia são estabelecidos de acordo com a área da Coutada. Assim refere-se que o Rei Henrique determinara que a Igreja Nova da invocação de S. João Batista tivesse a vila de Almeirim para sua Paróquia. Acontecendo que, depois de recebidas as Bulas, houve substituição do Arcebispo, pelo que não se procedeu à demarcação dos referidos limites. Estes viram a ser demarcados pelo atual Arcebispo, D. Miguel de Castro – segundo indicação do Papa Sisto V, como refere – que nomeia e assina para Paróquia e Freguesia da dita Igreja a vila de Almeirim, o seu termo e limites, com todos os seus moradores, confrontando o termo, da banda de Santarém com a ponte d’Alpiarça – no seu antigo leito – e com limites das Igrejas do Salvador e de S. Nicolau, da referida vila de Santarém, ficando o rio d’Alpiarça no meio, e da banda do norte com a Gouxaria de D. Manuel Mascarenhas, e do vendaval – do sul – com o Casal de Fernão Soares – atual Alorna – que se encontrava no limite da freguesia do Salvador.
A fim de não existirem dúvidas sobre as obrigações do Vigário e do Coadjutor, são indicadas as tarefas de cada um: “que são obrigados a celebrar ao Povo e Fregueses”:
Vigário – Diz perpetuamente as missas da terça, nas três Páscoas do ano, que são pela Páscoa da Ressurreição, Pentecostes, e Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ofício da Semana Santa, missas dos Apóstolos e da Festa da “Matinidade” de S. João Batista, que é o orago da dita Igreja, e mais missas dos domingos e dias Santos de Guarda ditas, alternadamente, pelo Vigário e Beneficiado, por meio. E estas serão somente as missas obrigatórias a que serão obrigados a celebrar, para que todo o mais tempo
fique livre para dizerem as missas que são da sua obrigação, para se sustentarem melhor, e tratar as almas dos fregueses e da sua administração dos Sacramentos. Nestes o Coadjutor ajudará o Vigário. Acrescenta-se que cada um fará alternadamente a missa de domingo.
De todos os serviços refere-se que a maior obrigação será a do Vigário na administração dos Sacramentos, e isto igualmente para o governo da Igreja e dos Fregueses, dado que por essas razões e obrigações recebe mais.
Nas ofertas e oblações, já referidas, renova-se o direito a receber partes, acrescentando-se que receberá duas partes das três das “conhecenças” dadas pelos Fregueses, estando a Igreja em “costume”. O Beneficiado (Coadjutor) receberá uma parte destas “conhecenças”.
A Fábrica da Igreja é dotada com trinta cruzados, que se destinam aos ornamentos e mais despesas de conservação e manutenção. Ao Tesoureiro serão dados seis alqueires de trigo para hóstias e um quarto de vinho para as missas, oito alqueires de azeite para a lâmpada que estaria continuamente acesa na Capela – Mor, acrescentando mais dois cruzados para a lavagem da roupa.
A fim de receber os dízimos das propriedades e de os distribuir pelos sacerdotes, seria admitida ou nomeada uma pessoa idónea que procedesse com justiça e justa administração, o Prioste.
Esta carta de Dom Miguel de Castro ordena o conteúdo das Bulas, sendo que a primeira não foi aplicada por reclamação de Sua Majestade católica, Filipe de Espanha. A segunda anula um lugar de beneficiado na Igreja de S. João Batista e envia as sobras para a Capela Real em Lisboa. A antiga distribuição ao Capelão – Mor, de acordo com a Bula de 1432, é anulada.
O que se fica a conhecer é a criação da Igreja por D. João III e a vontade expressa do Rei D. Henrique em criar a Paróquia de S. João Batista de Almeirim.
Neste percurso religioso verifica-se que foram vários os Papas que tiveram ligação ao processo religioso de Almeirim:
Martinho V – 11 de novembro de 1417 a 20 de dezembro de 1431;
Eugénio IV – 3 de março de 1431 a 23 de fevereiro de 1447;
Gregório XIII – 13 de maio de 1572 a 10 de abril de 1585;
Sisto V – 24 de abril de 1585 a 27 de agosto de 1590.
Almeirim, Abril de 2021.
Eurico Henriques.