Desde os finais do século XIV até aos nossos dias....
Situada na zona de transição do campo para a charneca a cidade inicia o seu desenvolvimento a partir de finais do Século XIV e princípios do Século XV. As informações que temos apontam para o ano de 1411 como a altura em que se terá iniciado a construção do Paço Real.
O documento mais antigo que se refere à aquisição e demarcação das terras que irão constituir a Coutada de Almeirim não refere a data da construção, indicando apenas que a terra foi adquirida por D. João I e que o mesmo rei mandou fazer a sua demarcação. Este documento data de 18 de Agosto de 1424 e nele se refere a colocação dos marcos, que começa a ser feita a partir “... junto à valla do Paaço de Almeyrim…”. Esta informação confirma-nos que a vala de enxugamento da Lagoa que existia na desembocadura do ribeiro de Vale de Peixe, já se encontrava concluída.
A abertura da vala terá assim sido feita no início dos anos de 1400 e realizou-se por decreto real. A razão da sua abertura prende-se com o facto de alguns moradores terem requerido autorização para se instalarem nestas terras, o que em princípio lhes foi negado pelo Alcaide-Mor de Santarém, uma vez que se considerava que as águas estagnadas da Lagoa causavam doenças e todos eles viriam a morrer se aí se instalassem. A permissão autoriza a fixação das populações com a condição de se proceder ao esvasiamento da lagoa. Daí o termo ”vala” que passou a designar a vala aberta para a passagem das águas, ligando-a à zona das Tesouras, ou Mijado.
Há dois factos que estão na base da formação da vila. O primeiro prende-se com a fixação das primeiras populações, um pequeno grupo de moradores que se instalam na zona que dá acesso à Lagoa, hoje rua da Alagoa. Aí, na área compreendida entre a referida rua e a rua Miguel Bombarda – antes rua dos Apóstolos – na área correspondente à Travessa das Ribeiras, terão surgido as primeiras edificações de raiz popular.
A construção do Paço Real, com as instalações anexas: a Horta e as Cavalariças, mandadas construir pela rainha D.ª Catarina, é feita a Sul, no seguimento deste espaço.O Paço é construído numa zona mais elevada, logo mais salubre e mais exposta aos raios solares. O alinhamento da Rua da Alagoa faz-se no sentido Norte-Sul, começando no antigo Largo da Lagoa e terminando no que foi o Largo do Espírito Santo, na época mais vasto do que é hoje. A foto nº 1 representa a Travessa do Adro da Igreja para a Rua Miguel Bombarda, descendo e cruzando a Rua da Alagoa.
As razões conhecidas para a preferência de D. João I pela zona de além Tejo (campo d’além), na margem esquerda do rio, estão na dificuldade que as cheias de Inverno e Primavera provocavam a quando da travessia de Santarém para os campos de caça da Serra de Almeirim e montarias de Coruche. Os reis anteriores, D. Pedro e D. Fernando, pai e irmão, respetivamente, do Mestre de Avis, instalavam-se em Santarém e daí partiam para as suas caçadas.
Há que se ter em conta que será nesta altura que se começa a verificar uma maior fixação de gentes nestes terrenos, junto à margem das ribeiras e longe das zonas inundáveis.
Sem embargo de entrar em conflito com os que defendem que o nome Almeirim terá origem árabe, não considero como válida essa classificação. Assim é necessário procurar referências para a sua origem. O que sabemos é que já era conhecido na época de Afonso Henriques. Por outro lado acrescento que, no documento de Afonso V, que enumera as propriedades reais no termo da vila de Santarém, refere-se que a Coroa possuía aqui a propriedade da vala dos Paços de Almeirim.
Acrescenta-se a explicação do nome. É que, como a Serra em frente – a este-sudeste – se chamava Serra de Almeirim, e como a vala onde se localizavam os paços, por não ter designação especial, se chamava a Vala dos Paços da Serra de Almeirim, por simplicidade de pronúncia passou a zona edificada a designar-se por Almeirim.
A área ocupada pela vila sempre foi lugar de fixação de povos. A margem esquerda da Ribeira de Alpiarça, nas terras que a acompanham e que surgem com altitudes médias dos 10 aos 14 metros, apresenta um número considerável de vestígios de ocupações de povos, desde o neolítico ao romano.
O que temos para a não consideração deste facto é que nunca se deu importância às ocorrências arqueológicas locais, praticando-se uma contínua destruição dos espaços e, consequentemente, depredação dos materiais.
As estradas que cruzam o campo e a charneca, excluindo-se as mais recentes, são todas elas reportáveis à presença romana, ou mesmo anterior.
Na área do nosso concelho verifica-se na Ribeira de Muge, na zona da herdade da Ponte Velha, a existência da ponte romana que permitia a passagem da referida ribeira pela estrada que vinha de Ponte de Sor – Matusarum – para o porto de Muge e também para o rio Tejo. Na zona da Tapada surgiram abundantes vestígios de um espaço romano nos terrenos pertencentes à Alorna, e que se denominavam, nada mais, nada menos, do que “Porto das Barcas”, à época em que foram adquiridas (1780), registando-se já nos princípios do século XVI o mesmo nome. Há, ainda, a referir uma informação registada nas Actas da CMA, do início do Século XX, referindo que aí fora encontrado um marco muito antigo, acrescentando que o caminho, ou estrada, que liga a zona à Azeitada e Benfica era de posse imemorial para o município.
Acrescentamos ainda o traçado da estrada do campo para Alpiarça e a sua ponte. É a ponte que dá origem à vila de Alpiarça pois que as referências medievais, até ao Século XVII, referem o “lugar da ponte de Alpiarça”. De Almeirim partia ainda uma estrada que cruzava a charneca, atravessava a Serra, e ia terminar sobre a estrada que vinha de Muge e atravessava a ponte velha – Ponte de Paço dos Negros – Calha do Grou. Esta estrada vinda de Muge, ladeando a ribeira pela sua margem direita, aparece referida nas demarcações dos moinhos aí instalados: Moinho do Paço dos Negros, Moinho da Pinheira, Moinho da Ponte Velha. Terá sido destruída com os trabalhos agrícolas para a cultura do arroz que se iniciaram por volta de 1828-29.
Estas observações permitem considerar que o topónimo referido à Serra – divisão assinalável do espaço entre a Ribeira de Muge e o Rio Tejo – será de origem romana e terá que estar ligado a este fenómeno geográfico.
É costume, para quem escreve a História de Almeirim, referir os factos e episódios relacionados com a presença da Corte. Sendo a vila uma “criação” real, não deixa de ser aceitável que os acontecimentos relacionados com a presença da Casa Real sejam parte integrante da História Local. Contudo há igualmente que se ter em conta que aqui se fixou uma população, que foi progressivamente aumentando, a qual teve uma grande importância no seu crescimento e respetivo desenvolvimento.
Foto nº2
Na foto nº 2 está representado o Paço Real. É um silhar de azulejos existente na Igreja de S. Vicente de Fora, em Lisboa. Nele pode ser identificado o Jardim, o Paço e Torre de D. João I, a ala acrescentada por D. Manuel I, a Horta Real e a zona da Praça. Na foto três identifica-se o que resta de um dos canais de escoamento de águas residuais do referido Paço, na zona em frente ao atual Mercado Municipal.
Pode-se referir que esse desenvolvimento e crescimento estiveram ligados e, de certo modo, dependentes do facto de a maior parte da zona do concelho ser propriedade real.
A demarcação da Coutada, incluindo a criação posterior do seu Regimento, trouxe grandes inconvenientes à população do termo da vila de Santarém. Os procuradores do referido concelho às cortes realizadas em 1439 por D. Pedro, Regente do reino na menoridade de Afonso V, reclamaram da criação das terras coutadas e da proibição de apanha de lenhas e de pesca. A decisão real será de que podiam utilizar-se das lenhas das matas que fossem de coutadas criadas após D. Pedro e de D. João I, onde se incluía a de Almeirim. Também sobre a do rio de Alpiarça, em que se pede a autorização para a pesca, a resposta será a de que “…a pescaria do tejo vos he desembargada. E quanto aa dalpiarça teemos em ella nossa coutada em algunns lugares por nosso desemfadamento aquall emtemdemos que vos faz pouco empacho e perda. E por tamto nom emtemdemos de a descoutar.”
Ora o terreno adquirido, sendo compreendido entre a Ribeira de Alpiarça – no seu antigo leito – e a Serra de Almeirim, vai ser demarcado igualmente como fonte de rendimento. Assim as terras situadas entre o limite da vila e a Ribeira serão divididas em “ribeiras” que terão uma área de 20 metros de largura por cerca de trezentos de fundo (até à Ribeira). Estas ribeiras – atual zona das Ribeiras a poente da cidade – serão dadas de arrendamento aos moradores e a arrendatários da nobreza, pelo preço de trinta reis anuais, havendo para algumas o acrescento de uma galinha e para outras a obrigação de pagarem a vintena do azeite “que Deus der”.
A existência de trabalho nos campos e a presença da Corte constituem razões suficientes para atrair novos moradores e para nascer uma povoação com todas as condições urbanas da época.
Poderemos considerar que o grande impulso dado à vila surgirá com D. João II. Este jovem monarca, assim que assume a governação vai dar certos privilégios aos moradores no ano de 1483, isentando-os de impostos, serviço militar e outros serviços fora da área do concelho. No entanto continuam as obrigações relacionadas com a Aposentadoria da família real.
No ano de 1484 concede o direito à posse do Curral do Concelho e em 1486 nomeia o escrivão da Câmara e responsável pela Almotaçaria.
Foto nº 4
Ainda no ano de 1484 atribui o Regimento das casas de Almeirim. Neste regimento os moradores teriam direito ao aforamento de quatro casas (casa com quatro divisões), uma courela de terra para olival, outra para vinha e outra para pomar. Das quatro casas duas teriam que estar sempre disponíveis para a Aposentadoria régia.
As ruas que surgem assinaladas até aos finais do Século XVI são: a das Vinhas, parte da atual Rua 5 de Outubro; de Santarém; das Damas – desconhecendo-se a sua localização; do Relógio – atual Conde da Taipa; da Lagoa – atual da Alagoa; da Regra atual Largo do G. Guerra e Rua da Rega; de Muge, da Travessa, da Igreja – atual rua Dr. João Cesar Henriques; do Espírito Santo – atualmente parte rua da Alagoa e rua Almirante Reis. Há ainda a considerar a zona das Travessas.
A rua Miguel Bombarda, designação que data da I República, era a rua dos Apóstolos. A origem deste nome está na existência de uma igreja, a Igreja dos Apóstolos, que aí se encontrava. Uma escritura de atribuição de um foro a Francisco Correia, pelo valor de 480 reis anuais, feita em 1708, aos 22 de Agosto, refere “(…) foi dito ter arrematado ao dito Senado hum pedaço de cham que he o serrado declarado (…) parte da banda do nascente com muro da orta dos Paços de Sua Magestade (…) e da parte de cima [norte] parte com parede da Igreja dos Apóstolos e da parte do poente parte com rua publica a que chamam a dos Apóstolos e da parte de baixo [sul] parte com travessa que vai pera a porta da orta dos ditos Paços a qual tem de largura vinte varas e de comprimento vinte e sete varas e meia (…). Escrituras posteriores, já da segunda metade do mesmo Século referem o aforamento do referido espaço, para construção. Na nota do pároco de Almeirim sobre as destruições provocadas pelo terramoto de 1755 não há qualquer referência à queda de algum edifício e muito menos a uma igreja. É um assunto a pesquisar.
A expansão da vila, em fases até ao Século XIX, já se pode demarcar através da planta realizada pelo Engenheiro José Júlio Guerra em 1856, figura nº 4.
Neste crescimento urbano, depois de considerarmos que havia uma primeira zona, a mais antiga, que se situava sobre a área envolvente à rua da Alagoa, notamos agora outra zona, igualmente antiga: a que acompanha a Rua de Santarém e se estende para Sul, pelas Travessas, encontrando o seu limite na Rua Nova. Depois seguia-se o Largo do Rossio da vila. Acrescentamos ainda o Rossio do Pinhal delRey, onde terminava a rua que vinha da Travessa do “Forno” e se continuava para o Pinhal.
Foto nº 5
Aqui, na Travessa do Forno, por detrás da rua de Santarém, situava-se um grande forno de”poia” de vender ao povo. Nos finais do Século XVII pertencia a Maria Pinheira e será deste forno de pão que surgirá o nome da referida Travessa – há alterações que são dos finais do Século XIX.
Toda a zona onde hoje se localiza o Jardim da República, daí até à Rua Conde da Taipa, e toda a zona urbana virada a este-sudeste – compreendida entre a Zona Norte e a Rua do Pinhal, resulta de uma progressão urbana que tem o seu início após a autorização dada pelo rei D. Pedro II.
Em Março de 1690 os oficiais da Câmara, Vicente Ferreira Jácome e José Pacheco Pimentel como Juízes Ordinários, João Farinha Lopes e Paulo Soares da Mota como Vereadores, requerem a Sua Majestade a autorização para darem de aforamento as chãs e ruas que não eram de utilidade alguma. Sendo dada a devida autorização, os terrenos passam do Tombo da coroa para o Tombo da Câmara de Almeirim, surgindo então os aforamentos “para neles se fabricarem casas”. Os oficiais da Câmara vão dividir os referidos terrenos, procurando um rendimento mais elevado. A divisão urbana da propriedade, feita sob a forma retangular, com o seu quintal e poço, é uma herança dos aforamentos primordiais.
Um dos primeiros processos de loteamento urbano, dentro da vila e após os aforamentos, regista-se em 1711. No dia 16 de Janeiro é celebrada uma escritura no Tabelião de Notas da vila, Manuel Henriques. Aí apareceram “presentes” António Gomes Vaqueiro, morador em Almeirim, e Domingos Francisco, morador na Quinta de Santa Marta. A ação era para se fazer a escritura de venda de uma casa com seu quintal. O António Gomes Vaqueiro (de alcunha) diz que havia aforado ao Senado da Câmara uma chã grande, com o foro de dois mil reis anuais. A casa vendia-se por vinte mil reis, livres para o dito vendedor e estava construída na referida chã. Para a venda se efetuar era necessária a autorização do Senado, pois que a lei estipulava o pagamento do Laudémio para o direto senhorio. O despacho do referido Senado da Câmara, sobre a petição do foreiro, é digno de nota: “Diz António Gomes morador nesta villa que pella escritura consta (…) ter aforado a este Senado hum serrado sito na Rua das Vinhas em dois mil reis de foro em cada hum anno com obrigação de nelle fazer casas no qual tem feito tres moradas de casas o suplicante he pobre e lhe he necessario de vender o dito prazo em sinco partes que tres são as tres moradas de casas cada huma a seu dono com foro de Dois vinteins cada huma pera este Senado e o serrado em duas partes com foro cada huma das partes em setesentos reis cada hum anno fazendo soma dos ditos dois mil reis o que não pode fazer sem licença deste Senado e he de sua [o] portunidade pera elle se se devia de ser pobre que lhe consedam a licença pera o poder dividir nos sinco quintais pagando cada hum deles o que lhe fiqua e que se fasa a divisão por termo no Livro da Câmara pera todo o tempo constar que com licença deste Senado se partio o dito prazo e recebera mercê/ despacho/ Damos licença ao suplicante pera que possa dividir o dito prazo nas partes que aponta com declaração que no tanto as duas partes do serrado sejão de tal sorte que fique a cerventia do prazo na mesma maneira que estava o qual ficará com a mesma largura e as Alporcoas razas e cada hum dos ditos foreiros dara testemunho a este Senado para se saber quem he e se pagar os ditos foros e se registara (…) Era Juiz Ordinário o capitão Simão Lopes de Carvalho e escrivão da Câmara António de Oliveira e Silva.
Foto nº 6
Outro dos compradores de uma das partes foi Paulo Soares da Mota. Este comprou, igualmente por vinte mil reis, livres para o vendedor, ficando com a obrigação de pagar o foro à Câmara de setecentos reis anuais. Outra foi vendida a Manoel da Silva Cordeiro e outra a Manuel da Silva, couteiro de Sua Majestade. Este terreno é a zona que hoje está entre a Rua Dionísio Saraiva e o Largo dos Combatentes da Grande Guerra, com frente para a Rua 5 de Outubro (anterior Rua das Vinhas) e traseiras para o Parque das Laranjeiras.
Os aforamentos foram moldando a estrutura urbana da vila. A sua continuação permitirá a expansão para S. Roque e para as zonas reservadas à área coutada. Esta expansão, para a área da coutada surge já no Século XIX, após os Governos Liberais. No entanto é com uma Câmara dominada pelos absolutistas que se dá início à venda dos terrenos onde se encontrava localizado o Paço Real, mandado demolir em outubro de 1792.
A cobertura urbana do Rossio da vila inicia-se nos princípios do Século XVIII, o mesmo acontecendo com os terrenos junto à Igreja de S. Roque e, daí, para a zona da Rua da Regra. Nesta rua localizava-se a casa dos Embaixadores, ainda existente e propriedade atual da família Ribeiro Teles.
É durante a segunda metade do Século XVIII e no Século XIX que se faz o aforamento dos terrenos ao redor do Paço e da Praça. A ilha urbana, compreendida entre as Ruas 5 de Outubro, Manuel Andrade e do Paço, resulta da divisão dos terrenos abertos incluídos na Praça e dados de aforamento.
As construções do Património Urbano, resultantes da presença real nos Séculos XV a XVII, desapareceram. Hoje apenas podemos assinalar a Igreja Matriz, a Igreja do Espírito Santo, a Casa dos Embaixadores e os Paços que foram dos Duques de Aveiro. No século XVIII edifica-se a ermida de N.ª Senhora do Calvário. No entanto o traçado das ruas, os enquadramentos resultantes dos Largos que existiram: da Lagoa, do Relógio, do Espírito Santo, do Rossio do Pinhal e Rossio da Vila, permitem ainda uma evocação da História Urbana local.
Eurico Henriques